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Entrevista com o espírita Raul Teixeira

 

Entrevista com o espírita Raul Teixeira

Extraído do Jornal Pará Espírita, de junho/2006


Orador respeitado no meio espírita brasileiro e mundial, com mais de 20 livros escritos, Raul Teixeira esteve em Belém e Capanema para palestras que fizeram parte das comemorações do centenário da União Espírita Paraense.

Pará Espírita - A violência que se abateu sobre São Paulo ganhou o noticiário mundial e mostrou que um tema corriqueiro pode assumir aspectos ainda mais assustadores. Na visão espírita, a que se deve o fenômeno da violência: ausência do Estado, desagregação familiar, miséria ou tudo junto?

Raul Teixeira - Indubitavelmente a violência é um caldo que se forma com todos esses componentes: desestruturação da família, desassistên¬cia ou ausência do Estado. A violência resulta de um estado interior. Toda pessoa que está insatisfeita interiormente explode e isso acontece com todos nós. Mas essa situação pode tomar proporções alarmantes se não houver ajuda e orientação. Os remédios nós chamamos de cultura, educação, lazer, emprego, afetividade. As criaturas violentas estão sofrendo algum tipo ou vários dessas carências. Num mundo em que só encontramos propostas materialistas para resolver problemas espirituais demoraremos muito a chegar a um denominador comum, porque os problemas que acontecem na alma não podem ser resolvidos com providências que só atendem ao mundo de fora. Se eu estiver lidando com um delinqüente, um drogadito como se ele fosse simplesmente uma pessoa violenta, é claro que eu vou perder tempo, dar murro em ponta de faca. Tenho que ver essa criatura como um indivíduo multidimensional. Geralmente são criaturas que não tiveram um lar estruturado,cultura acadêmica, nem sequer conhecimento de si mesmos. Elas vivem movidas pelas necessidades imediatas: comer, beber, vestir, fazer sexo, etc. Obviamente quando falamos em violência abordamos esse assunto de forma muito simplista, como um mero problema policial ou político. Mas é um problema da família, do Estado, das religiões. Chama a atenção que, quanto mais se multiplicam as igrejas, a violência aparentemente mantém um ritmo proporcional de crescimento. Será que essas pessoas não estão sendo enganadas, dando dinheiro, sendo exploradas e a cada dia se tornando mais necessitadas, mais ansiosas? Temos que olhar desde a criança, o lar, a família, para que a gente pense no indivíduo que se vai complementando pouco a pouco. A violência nasce na intimidade humana, mas por que ela se mantém? Quando temos um resfriado, uma gripe, qualquer doença, somos medicados. Por que com a violência não se faz a mesma coisa?

PE - Os espíritas acreditam que a humanidade da Terra está evoluindo e que o planeta já passou de mundo primitivo para mundo de expiações e provas e que nessa escala se transformará agora em mundo de regeneração, um lugar onde o bem já sobrepujaria o mal. Diante da escalada de violência, dá pra acreditar que a Terra está mesmo evoluindo para melhor?

RT - A Terra tanto está melhorando que agora já sabemos dos fatos violentos quando acontecem. No passado havia coisas muito mais drásticas, só que ninguém sabia. Não havia imprensa, nem TV, nem rádio, nem jornal, nem Internet. Quando nós pensamos historicamente que os reis, os senhores feudais tinham direito de vida e morte sobre as pessoas, que havia escravidão legalizada, então vemos ser óbvio que o mundo melhorou! Agora podemos gritar, pedir socorro, protestar. Hoje podemos discutir livremente nossos direitos e encontramos eco em legislações, organizações de direitos humanos. Mas a melhoria moral não acontece da mesma maneira que a melhoria intelectual, onde a gente lê um livro e memoriza. Entre assimilar o conteúdo intelectual de um livro e colocar seus ensinamentos em prática há uma distância considerável. Por isso há tanta gente enfiada nas igrejas sem mudar seu caráter, sua vida. O Espiritismo nos ensina que primeiro a gente aprende intelectualmente e se esforça para que esse aprendizado sensibilize o nosso aprendizado moral, já que a moral é a regra de bem proceder, de distinguir o bem do mal, de viver de acordo com as leis da¬ consciência que são as leis de Deus. Isso demora. Cada criatura tem o seu ponto de maturação.

PE - Isso vale também para quem não acredita em Deus?

RT - O acreditar em Deus é de somenos importância. As pessoas não ficam boas só porque acreditam em Deus. Elas ficam boas quando se sensibilizam com a vida. Há tanta gente que não acredita em Deus, mas que dá emprego, monta fábricas, gosta e trabalha pelas crianças, se ocupa com o meio ambiente, está sempre envolvida em causas de defesa social. Elas crêem em Deus sem saber. Elas crêem e amam através das obras. E estão fazendo exatamente o que as leis de Deus propõem. Ao mesmo tempo, encontramos outras pessoas batendo no peito, de joelhos, até agarradas à corda do Círio e que são frias, indiferentes ao sofrimento do outro. Defendem o embrião congelado e esquecem das crianças abandonadas nas ruas. Não é suficiente declarar crença em Deus. É importante que a gente viva de tal modo que Deus possa crer na gente. A única fatalidade que nos aguarda, demore o tempo que demorar, é a felicidade.

PE - A Doutrina Espírita, caso raro, não apresenta candidatos a cargos eletivos. Por que isso?

RT - Para nós, espíritas, não é importante termos uma bancada espírita. Já temos muitas bancadas religiosas no Congresso e em outras casas legislativas e elas não fazem nada de melhor que as outras bancadas. Pelo contrário, a prática é formar guetos, feudos para defender seus interesses. Para nós, espíritas, importante é viver como verdadeiros homens e mulheres de bem em qualquer lugar, seja na política, na administração pública, na engenharia, na medicina, dentro de casa, etc. Importante é que a criatura não tenha rótulos ou bandeiras, mas tenha idéias, tenha vivências. Espíritas elegem políticos de qualquer religião, desde que a sua proposta seja a do bem geral.

PE - Raul, Belém também foi tomada pela curiosidade mundial acerca do filme O Código Da Vinci. Sabemos que pelo mundo se repetem os aplausos, defesas, protestos, proibições, até greves de fome, por causa do filme. E o Espiritismo, como encara essa obra e seu tema explosivo: o suposto relacionamento entre Jesus e Maria Madalena?

RT - Os ensinamentos dos espíritos nos trazem uma coisa muito importante, que é a liberdade. Todas as vezes que nós pensamos com liberdade, pensamos com Deus. Paulo de Tarso registrou que onde estiver o espírito do Senhor ali estará a liberdade. Com tanto problema para resolver, vemos religiões preocupadas com um filme que descaracteriza a sua maneira de crer. Na medida em que cremos em Deus, se uma pessoa chegar pra nós e disser que Deus não existe nós vamos brigar, correr atrás, fazer greve de fome? Esta polêmica toda mostra que o Deus no qual acreditamos é tão frágil que não resiste a um filme. Já vimos essa polêmica em tomo de Je vous salue Marie, Ultima Tentação de Cristo e outros filmes. Acredito que, quando ficamos muito revoltados com um filme ou outra forma de arte, na verdade é porque não temos muita certeza daquilo que apregoamos. A arte é a arte e a verdade da nossa crença é a verdade da nossa crença. Nós, espíritas, vemos os filmes como expressões artísticas. Allan Kardec escreveu que a fé inabalável é aquela que pode encarar a razão face a face em qualquer época da humanidade.

PE - Espírita acredita na Bíblia?

RT - Acredita na Bíblia sim, mas não como se convencionou religiosamente, como uma coisa sagrada. Lembramos que a Bíblia foi escrita por seres humanos. Por isso não vemos nela uma coisa que ela não é. Respeitamos a Bíblia como respeitamos qualquer outro livro de história de outros povos. Na Terra há vários livros venerados além da Bíblia, há a Bagavhad Gita, dos hindus e outros. Só que, como nosso ocidente é eminentemente judaico-cristão, o livro que sensibiliza o nosso hemisfério é a Bíblia judaica, que é um livro de história do povo judeu. Mas, Jesus é o nosso Mestre, o maior espírito que Deus enviou ao mundo para ser nosso modelo e guia. Por isso não estamos preocupados com o Velho Testamento. Estamos preocupados com o Novo Testamento, que nos ensina a viver segundo os ensinamentos de Jesus Cristo.

PE - Espírita faz parte de uma elite intelectual?

RT - O Espiritismo tem de ser estudado como qualquer outra idéia. Como posso acreditar numa coisa que nem sei como é? Se fizer isso posso me tomar fanático. A Doutrina Espírita propõe dois mandamentos: amai-vos e instruí-vos. A Doutrina não é doutrina de um livro só. Ela aconselha como Paulo: ler tudo e reter o bem. Em nenhum momento o Espiritismo nos proíbe de ler Karl Marx, Freud ou os livros das outras religiões, até para que saibamos como os nossos irmãos pensam em outros contextos de fé. Mas a proposta central do Espiritismo é a vivência do bem, o que fez Allan Kardec pregar que fora da caridade não há salvação. E caridade é o amor dinâmico. No Espiritismo há tanto gente graduada como há pessoas analfabetas, que aprendem a doutrina ouvindo, vendo filmes, etc.

O Espiritismo nos estimula a estudar, a conhecer. A densidade de fanatismo na Doutrina Espírita é muito menor, porque as pessoas são incentivadas a usar seu raciocínio, a perguntar, a discordar, etc. No Espiritismo sabemos dizer sim e sabemos dizer não.




Muita Paz

Gilberto Adamatti

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