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Procuram-se mais brasileiros como estes

 
                                                                                                                                                    publicado na revista época em 10/09/2008 - 18:23 - Atualizado em 08/06/2009 - 20:10
Procuram-se mais brasileiros como estes
Eles foram escolhidos para representar essa causa entre mais de 500 leitores que contaram suas histórias do bem no site do Projeto Generosidade
Marco Bahe, Renato Dalto e Débora Rubin

Não foi preciso ir muito longe para encontrar exemplos inspiradores de brasileiros que constroem um novo país a cada dia. Na verdade, eles estavam bem perto, entre nossos leitores. Joana D'Arc e Ronaldo Henzel vivem em um ônibus – literalmente – caindo aos pedaços. Nesse sonho ambulante feito de lata, eles perambulam pelos povoados nordestinos despertando solidariedade e esperança. Jihad Abou Ghouche, descendente de libaneses da Tríplice Fronteira, é professor de inglês. Uma noite, sentado à mesa para jantar, percebeu que tinha vergonha de comer porque havia crianças passando fome bem ali perto. Hoje, não sente mais vergonha. Por causa dele, mais de 300 pessoas não têm fome.

Abandonada primeiro pela mãe, depois pelo pai, a professora Ana Vieira cresceu numa família de 17 crianças. Nenhuma delas era filha biológica do casal. Quando se formou na universidade, Ana achou que não tinha o direito de esquecer do destino que poderia ter sido seu, não fosse a bondade dos pais adotivos. Tinha convicção de que precisava devolver à sociedade o que recebeu. O filho caçula do empresário Rilder de Paiva Campos teve câncer quando ainda era bebê. Rilder possuía recursos e o levou aos Estados Unidos, onde recebeu o tratamento mais avançado. Fernando perdeu a visão, mas sua vida foi salva. Seu pai percebeu, então, que a maioria dos brasileiros não teria essa chance. Quando voltou a Natal, achou que tinha o dever de mudar tal realidade. Maria José Rocha de Souza viveu a mesma dor. Moça pobre de Rondônia, era ela quem dependia da solidariedade alheia. Quando Débora, sua filha, se salvou, Maria também achou que não poderia virar as costas para a dor de outras mulheres. A seguir, as histórias enviadas pelos leitores ao Projeto Generosidade. Época sempre terá mais páginas em branco à espera de sua história, aquela que só você pode escrever.

Ronaldo e Joana D'Arc Henzel, nas estradas de Pernambuco

Eles embarcaram em um sonho
É um ônibus velho, do tipo que parece que vai arriar no próximo buraco. Quando desponta num povoado nordestino, tem jeito de aparição. O povo olha desconfiado. De dentro da lataria desce, então, uma moça franzina, com jeito de menina, e um homem grande, de sorriso maior ainda. Joana D'Arc, ela se apresenta. O nome da santa guerreira não ajuda a dissipar a estranheza. Ele se chama Ronaldo Henzel. Sobrenome de gringo que não se ouve por aquelas paragens. "O que esse povo anda querendo neste fim de mundo?", é o que os sertanejos pensam, à primeira olhada. Por sorte, Ronaldo e Joana querem muito.

O casal estaciona seu ônibus em um povoado do Nordeste e vai arregimentando gente que pode fazer alguma coisa pelo vizinho. Qualquer coisa. Cortar cabelos, ensinar a bordar ou preparar um remédio caseiro, escrever uma carta ou dar uma receita para o milho crescer mais robusto. Todo mundo sempre tem algo de que o outro precisa. Ou não sabe. Marcam, então, um dia para o encontro da comunidade. E nesse dia começa um mutirão, um troca-troca.

O casal fica dois meses em cada povoado. A idéia é que o povo pegue gosto, descubra a força da organização, da vida compartilhada nas horas ruins, nas horas boas. Depois de plantar essa semente, Ronaldo e Joana pulam para dentro do ônibus e seguem para o povoado seguinte. De tempos em tempos voltam, para ter certeza de que a planta que cravaram em chão de seca cresceu resistente como um dos mandacarus da região.

Quem é essa dupla que pensa que é anjo? Joana, de 30 anos, nasceu numa família de mascates, fugiu da fome e da seca vividas na pequena Currais Novos, no Rio Grande do Norte. Ronaldo, de 45, nasceu no outro Rio Grande, o do Sul, numa família de imigrantes alemães, e virou representante comercial em Pelotas. O encontro improvável só poderia acontecer em São Paulo, a babel de todos os Brasis. Ronaldo passou por lá a negócios e aproveitou para comprar presentes numa loja. Joana D'Arc, mais uma entre milhares de migrantes nordestinos, atendeu o cliente. A partir dali, muitas cartas, três encontros e um casamento que já dura uma década.

Em 1999, eles tinham dois destinos de férias diante deles: dez dias em Nova York ou 30 dias no Nordeste. Escolheram a segunda opção. A viagem começou pelo litoral e enveredou pelo sertão. "Você vai conhecer agora o outro Brasil", disse Joana ao marido. "Eu dizia que o Nordeste era o último lugar para onde eu iria", afirma Ronaldo. "Hoje, digo que é o último lugar de onde vou sair." Foram três viagens em seis anos. E, finalmente, a decisão. O casal ignorou os conselhos da família, vendeu o negócio em Pelotas e fez de um ônibus que muito já tinha sacolejado pelas estradas gaúchas um misto de casa de lata e sonho ambulante.

Já na viagem de ida, o primeiro atropelo. O ônibus bateu o motor ainda no interior da Bahia. Joana D'Arc e Ronaldo atravessaram três Estados arrastando-se a 20 quilômetros por hora. O destino era o sertão da Paraíba, mas no interior de Pernambuco o ônibus pifou de vez. A cidade era Santa Cruz do Capibaribe.

CORAÇÃO SERTANEJO
Joana D'Arc nunca pôde esquecer a terra que teve de abandonar por fome. Na foto, ela ensina moradores do povoado pernambucano de Algodão a pintar

Dinheiro eles não tinham. Ronaldo vendeu, então, uma moto que havia trazido de Pelotas. Mesmo assim, faltavam quase R$ 2 mil para o conserto. "Estávamos meio desanimados quando uma criança entrou, curiosa para ver como é que era uma casa dentro de um ônibus", diz Joana. "Os pais dela vieram correndo atrás, preocupados. Explicamos que nosso objetivo era iniciar um projeto social, mas que o motor tinha quebrado e não sabíamos o que fazer."

Os pais do menino voltaram no dia seguinte com um amigo mais bem posicionado na vida. "A gente se propôs a ajudar, ainda meio desconfiados, porque tem muita gente aproveitadora por aí. Mas, até hoje, nunca me decepcionei", diz o empresário Antônio Andrade Filho. Ele apresentou o casal a outro amigo, Marcos Vilázaro, que levou Ronaldo até a oficina mais próxima, em Caruaru. "Quando chegamos lá, ele explicou que era de um projeto, ofereceu até a lateral do ônibus para fazer propaganda como forma de completar o pagamento. Ficou lá se humilhando e os caras nem deram bola", diz Marcos. "Juntei outros empresários e a gente pagou o que faltava para consertar o motor. Depois, compramos outra moto e doamos para o projeto. Porque tem lugar aonde o ônibus não chega e eles estavam indo a pé, levando as coisas num carro de mão."

Joana D'Arc e Ronaldo, finalmente, puderam seguir em frente. Sacolejando, claro. Em cada povoado, Joana prepara um pão caseiro para comungar com a comunidade no dia festivo em que todos se reúnem. Por isso, a ONG foi batizada com o nome de "Pão é Vida". "A gente chega aqui, corta o cabelo e conversa com essas pessoas tão bacanas. Sai mais bonito por dentro e por fora. A gente se sente bem só de pensar que tem quem se lembre da gente sem pedir nada em troca", diz a agricultora Maria da Silva, de Algodão, em Pernambuco. "Conheci o projeto quando eles passaram nas escolas do meu município, Toritama. Não consegui mais deixar de comparecer. Só você vivendo para sentir a felicidade de participar", afirma a professora Isabel Cordeiro.

O sonho de Ronaldo e Joana só conta com a ajuda de 16 colaboradores. Os R$ 350 mensais mal dão para bancar a comida e o combustível. Eles já venderam a casa em Pelotas para seguir adiante. Tudo o que têm agora é esse ônibus mambembe, ano 1979, com mania de quebrar. E uma felicidade que vem de um tipo imaterial de riqueza. "Nunca vamos abandonar o ônibus. Vamos continuar levando ajuda e uma mensagem de esperança para tudo que é lugarzinho desse Nordeste aí", diz Joana D'Arc, com seu sorriso de moça tímida.

Quem quiser colaborar com o sonho de Joana e Ronaldo pode entrar em contato pelo site www.paoevida.org

Marco Bahe


 


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